Em questão de segundos, tudo mudou. A animação inicial deu lugar a um calafrio. Os favoritos levavam o primeiro baque: o primeiro gol que os tiraria da copa.
Referência mundial no futebol, os brasileiros sempre encantaram o mundo. Mas parece que algo mudou.
Fábrica de craques, nosso país criou gênios da bola. Por definição, um gênio é aquele que faz milagres. Que faz o que é impossível para os outros. Faz coisas que não se entende que não se explica.
Nos anos 70, 80 e 90 foram assim. Nossos jogadores eram tão imprevisíveis, com tanto talento, que eram disputados a peso de ouro. Pareciam mágicos irreplicáveis. Quem tem, tem. Que não tem, chora.
Mas só que não é mais assim.
Os europeus tinham menos talento, menos gingado e menos criatividade. Eram quadrados, previsíveis, mas nunca foram bobos.
Os maiores clubes do mundo começaram a contratar especialistas para analisar os movimentos e jogadas de seus craques brasileiros. Como corriam, como passavam e como improvisavam.
Aos poucos, a genialidade começou a fazer mais e mais sentido. Pedaladas, voleios e trivelas começaram a ser desenhadas, desvendadas. Não era com tanto estilo, mas agora outros poderiam ser treinados, instruídos no que antes parecia ser poder divino.
O talento virou processo.
E processos podem ser melhorados, estudados e replicados. Podem ser compartilhados e em pouco tempo dezenas ou milhares podem chegar ao mesmo resultado.
Precisamos acabar com a cultura da adoração do talento. Do empoderamento daqueles que parecem ter “nascidos prontos”. Precisamos começar a focar no trabalho duro e inteligente. Na disciplina libertadora de fazer algo tantas vezes até que seja entendido, melhorado.
Uma cultura que coloca as esperanças em um só indivíduo nos torna fraco. Se ele ganha, ganhamos e, se perde sofremos.
E isso, na minha opinião, é talvez a mais poderosa lição que tiro da Copa.
Chega de esperar o “Camisa 10” resolver sozinho. Chega de achar que o presidente vai mudar tudo,o diretor,o síndico, o policial. Não é uma pessoa com superpoderes que vai nos salvar, somos nós mesmos.
Talento é bom, mas não é a solução. É o início.
O fraco aplicado, se bem treinado, é mais confiável do que o gênio que é volátil. Que faz quando quer e que nunca se sabe se vai querer. É de lua.
Na vida, perdemos tempo demais esperando o “Camisa 10” resolver o jogo. Quando o jogo precisa ser resolvido por cada um de nós, na sua posição. Melhorando a cada dia, não por ter superpoderes, mas por pagar um preço que poucos estão dispostos a pagar.
Trabalho duro, mas com inteligência. Não individual, milagroso e sobre-humano. Mas consciente, coletivo e replicável.
Na vida, precisamos esperar menos dos craques. E produzir mais jogadores simples, mas que não desistem da bola.
Na escola, na empresa, na família, na igreja e, até mesmo nos esportes, não é esperar por mais gênios, é treinar mais pessoas comuns que podem ser bem acima da média.
Precisamos inspirar nossos jovens a serem a melhor versão deles mesmos. Não serem uma cópia de um craque que jamais será alcançado e, que é apedrejado quando falha.
Eu não sou contra o craque, sou contra uma estratégia de vida que só conta com craques e que desestimula quem não “nasceu com talento”.
Menos talento e mais trabalho. Menos terceirizar a esperança e mais “deixa que eu resolvo”.
Quero que meu filho deseje usar camisa da seleção com o nome dele, não com o do craque do momento.
Talento ajuda, mas campeão de verdade não nasce pronto, ele é lapidado.
Quem entende isso hoje em dia ganha o jogo.
Por Pedro Superti